quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Mortificação do eu

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Fotografia 'A República' inserida no livro 'Figuras Populares' de Luís Dantas



'Para Goffman, o ser age nas esferas da vida em diferentes lugares, com diferentes co-participantes e sob diferentes autoridades sem um plano racional geral, ao inserir-se numa instituição social passa a agir num mesmo lugar, com um mesmo grupo de pessoas e sob tratamento, obrigações e regras iguais para a realização de atividades impostas.

Quando essa instituição social se organiza de modo a atender indivíduos (internados) em situações semelhantes, separando-os da sociedade mais ampla por um período de tempo e impondo-lhes uma vida fechada sob uma administração rigorosamente formal (equipe dirigente) que se baseia no discurso de atendimento aos objetivos institucionais, ela apresenta a tendência de “fechamento” o que vai simbolizar o seu caráter “total”.

Esse caráter total da instituição age sob o internado de maneira que o seu eu passa por transformações dramáticas do ponto de vista pessoal e do seu papel social. O autor afirma que esse fato pôde ser ricamente verificado no hospital para doentes mentais e, para esclarecê-lo bem, detalha o processo que o desencadeia descrevendo “o mundo do internado”. Quando o internado chega ao hospital ele sofre um processo de “mortificação do eu” que suprime a “concepção de si mesmo” e a “cultura aparente” que traz consigo, que são formadas na vida familiar e civil e não são aceitas pela sociedade. Estes “ataques ao eu” decorrem do “despojamento” do seu papel na vida civil pela imposição de barreiras no contato com o mundo externo, do “enquadramento” pela imposição das regras de conduta, do “despojamento de bens” que o faz perder seu conjunto de identidade e segurança pessoal, e da “exposição contaminadora” através de elaboração de um dossier que viola a reserva de informação sobre o seu eu “doente”. Esse mecanismo, além de causar a perturbação da relação entre ator/indivíduo e seus atos, causa o “desequilíbrio do eu”, uma vez que profana as ações, a autonomia e a liberdade de ação do internado.'


Fonte:

KUNZE, Nádia. Resenha do Livro Manicómios, Prisões e Conventos de Erving Goffman. in Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.33, p.289-294, mar.2009 - ISSN: 1676-2584.