Instalação 'CAMERAS' de SpY
“A criação e manutenção dos
sistemas penitenciários, nomeadamente das prisões e das esquadras policiais,
dependem largamente dos recursos económicos disponíveis, mas também da
legitimação do aparelho do Estado e da ideologia e cultura prevalecentes numa determinada
sociedade. Deste modo, as prisões são um espelho da sociedade que as cria e as
mantém.
A organização do sistema
prisional pode assim refletir as seguintes dimensões da vida em sociedade: (i)
hábitos sociais herdados e transmitidos; (ii) sistemas jurídicos, políticos,
cívicos e mediáticos; (iii) intenções políticas organizadas (Dores, 2004:2). Só
assim se pode explicar que, por exemplo, os Estados Unidos tenham uma taxa de
encarceramento oito vezes superior à europeia. (…)
Os estudos sociológicos da prisão
têm-se desenvolvido intensivamente, face à evidência social e política do
crescimento das prisões. É possível distinguir as principais temáticas
abordadas ao nível dos estudos prisionais realizados no contexto da Sociologia:
(i) as relações prisionais, nomeadamente as interações nos grupos dos reclusos
e dos reclusos com outros atores sociais inseridos em contexto prisional, (ii)
as identidades e as práticas dos reclusos, nomeadamente a transformação dos
processos identitários e relações com o crime, durante a estadia na prisão;
(iii) relações com o mundo exterior, nomeadamente com instâncias de regulação
superiores, parceiros dos estabelecimentos prisionais e fluxos de comunicação,
de bens e de serviços entre o interior e o exterior da prisão. (…)
No âmbito das relações
desenvolvidas no interior da prisão e subsequentes transformações nas práticas
e identidades dos indivíduos, Clemmer (1940) desenvolveu o termo
«prisionização», definindo-o como uma «adoção, em maior ou menor grau, dos usos
e costumes, e em geral da cultura das prisões» (Clemmer, 1940 apud Gonçalves,
2000: 52). Este é um processo lento e gradual que começa por uma conversão ao
anonimato. O autor considera que o próprio processo de ingresso na prisão irá
acentuar a criminalização, por criar condições para a aprendizagem ou eventual
fortalecimento das competências para a atividade criminosa, que ocorrem após
estada na prisão.
Por sua vez, Foucault (1999)
encara a prisão como um dos vetores de tecnologia política do corpo, por
processos de vigilância e delimitação rigorosa dos corpos no espaço e no tempo,
considerando que a prisão é uma «escola do crime», surgindo, assim, um
verdadeiro dilema: a prisão serve para punir o preso e preparar a sua
reintegração social, ao mesmo tempo, fomenta ainda mais o crime e o criminoso.
Deste modo, Foucault considera que ao invés de ser ressocializado para a vida
em liberdade, o indivíduo é socializado para viver na prisão.
A abordagem autárcica da prisão é
continuada por Goffman (1999), quando este apresenta o meio prisional como uma
instituição total, onde um conjunto de indivíduos, separados da sociedade e por
um período considerável, levam em conjunto uma vida fechada e formalmente
administrada. Segundo Goffman, o carácter totalitário da prisão surge no
momento em que estabelecem barreiras às trocas e transações com o exterior,
sejam estas barreiras físicas, culturais ou simbólicas, que demarcam as
fronteiras entre o interior e o exterior da prisão. Salienta ainda as
características principais deste tipo de instituições, considerando-as como
totais, segregativas, homogeneizantes, normalizantes e estigmatizantes.”
Fonte:
MACHADO, Helena. Manual de
Sociologia do Crime. Porto: Edições Afrontamento, 2008. ISBN: 9789723609790.