quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Sociedade Vigilante

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Instalação 'CAMERAS' de SpY




“A criação e manutenção dos sistemas penitenciários, nomeadamente das prisões e das esquadras policiais, dependem largamente dos recursos económicos disponíveis, mas também da legitimação do aparelho do Estado e da ideologia e cultura prevalecentes numa determinada sociedade. Deste modo, as prisões são um espelho da sociedade que as cria e as mantém.

A organização do sistema prisional pode assim refletir as seguintes dimensões da vida em sociedade: (i) hábitos sociais herdados e transmitidos; (ii) sistemas jurídicos, políticos, cívicos e mediáticos; (iii) intenções políticas organizadas (Dores, 2004:2). Só assim se pode explicar que, por exemplo, os Estados Unidos tenham uma taxa de encarceramento oito vezes superior à europeia. (…)

Os estudos sociológicos da prisão têm-se desenvolvido intensivamente, face à evidência social e política do crescimento das prisões. É possível distinguir as principais temáticas abordadas ao nível dos estudos prisionais realizados no contexto da Sociologia: (i) as relações prisionais, nomeadamente as interações nos grupos dos reclusos e dos reclusos com outros atores sociais inseridos em contexto prisional, (ii) as identidades e as práticas dos reclusos, nomeadamente a transformação dos processos identitários e relações com o crime, durante a estadia na prisão; (iii) relações com o mundo exterior, nomeadamente com instâncias de regulação superiores, parceiros dos estabelecimentos prisionais e fluxos de comunicação, de bens e de serviços entre o interior e o exterior da prisão. (…)

No âmbito das relações desenvolvidas no interior da prisão e subsequentes transformações nas práticas e identidades dos indivíduos, Clemmer (1940) desenvolveu o termo «prisionização», definindo-o como uma «adoção, em maior ou menor grau, dos usos e costumes, e em geral da cultura das prisões» (Clemmer, 1940 apud Gonçalves, 2000: 52). Este é um processo lento e gradual que começa por uma conversão ao anonimato. O autor considera que o próprio processo de ingresso na prisão irá acentuar a criminalização, por criar condições para a aprendizagem ou eventual fortalecimento das competências para a atividade criminosa, que ocorrem após estada na prisão.

Por sua vez, Foucault (1999) encara a prisão como um dos vetores de tecnologia política do corpo, por processos de vigilância e delimitação rigorosa dos corpos no espaço e no tempo, considerando que a prisão é uma «escola do crime», surgindo, assim, um verdadeiro dilema: a prisão serve para punir o preso e preparar a sua reintegração social, ao mesmo tempo, fomenta ainda mais o crime e o criminoso. Deste modo, Foucault considera que ao invés de ser ressocializado para a vida em liberdade, o indivíduo é socializado para viver na prisão.

A abordagem autárcica da prisão é continuada por Goffman (1999), quando este apresenta o meio prisional como uma instituição total, onde um conjunto de indivíduos, separados da sociedade e por um período considerável, levam em conjunto uma vida fechada e formalmente administrada. Segundo Goffman, o carácter totalitário da prisão surge no momento em que estabelecem barreiras às trocas e transações com o exterior, sejam estas barreiras físicas, culturais ou simbólicas, que demarcam as fronteiras entre o interior e o exterior da prisão. Salienta ainda as características principais deste tipo de instituições, considerando-as como totais, segregativas, homogeneizantes, normalizantes e estigmatizantes.”


Fonte:


MACHADO, Helena. Manual de Sociologia do Crime. Porto: Edições Afrontamento, 2008. ISBN: 9789723609790.