quinta-feira, 6 de novembro de 2014

O Efeito Lúcifer

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Fotografia de Joana Rodrigues Silva



[Será] a maldade uma ação de uma mente doentia ou poderíamos atribuí-la à intromissão de aspetos sociais e culturais, à presença de uma situação ou circunstância influenciadora que levaria indivíduos a transformar suas ações ou a perder o controlo sobre elas? Será que todos nós temos, ‘naturalmente’, a capacidade de cometer maldades, ou seria essa capacidade gerada a partir de circunstâncias especiais? Para estas e outras questões relacionadas ao tema existe um rol complexo de explicações que nos levam da teologia à psicologia personalista, percorrendo áreas tão distintas quanto a filosofia, a neurociência e a sociologia. Cada uma delas [procura] entender e explicar, à sua maneira, como a maldade é possível. 

A presença do professor Zimbardo nas páginas de Veja e na discussão nacional acerca das razões para a prática da maldade não se deu por coincidência. Tendo lançado no Brasil seu livro O Efeito Lúcifer (2007), no início de 2013, ao professor de psicologia é dado papel central na discussão devido à relevância internacional, principalmente nos EUA, dos seus estudos acerca de comportamentos humanos violentos, sobretudo do estudo chamado The Stanford Prison Experiment, desenvolvido na década de 70 do século passado e considerado, ainda hoje, um marco na pesquisa em psicologia comportamental e social acerca do encarceramento humano. 

A repercussão mais recente de sua investigação sobre a relação entre o comportamento violento e a situação social teve como ponto alto o caso recente dos soldados americanos acusados de torturar prisioneiros no Iraque em 2005. Naquele momento, Zimbardo se contrapunha fundamentalmente à “tese da maçã podre”, defendida pelo governo americano como justificativa para a ação violenta de um grupo de soldados contra prisioneiros em Abu Ghraib no Iraque. 

Contrapunha-se também, como consequência, às teses sobre distúrbios de personalidade e à afirmação do senso comum de que alguns indivíduos possuiriam uma maldade natural que lhes impediria de agir de forma moralmente correta, de praticar o bem. 

É importante também notar que Zimbardo não está sozinho no seu interesse pelo comportamento violento e pelas questões relacionadas ao papel das forças sociais, do poder e da intencionalidade na perpetração do mal (Freud, 2010). Como parte desta mesma tradição da psicologia, e antes mesmo que Zimbardo se tornasse celebridade académica na área da Psicologia Social, o professor da universidade de Yale, Stanley Milgram (1974), já [procurava] compreender a questão do poder e da autoridade em ações consideradas desviantes, perversas ou más. Num estudo igualmente famoso sobre obediência e autoridade, realizado na primeira metade da década de 60 do século XX, Milgram já começava a explorar o papel das estruturas externas à personalidade individual como base de ações desviantes ou socialmente injustas. 

Milgram[procurava] responder questões relacionadas à maldade ou à perversidade em ações coletivas, como no caso do assassinato em massa de judeus no Holocausto, sem que para isso fosse necessário fazer uso da psicologia personalista para explicar tendências observadas em seus estudos, tais como a de obedecer à autoridade inclusive em situações consideradas socialmente desviantes.

Para além dessas abordagens, podemos ainda encontrar outras tentativas mais ou menos académicas de compreender a maldade como possibilidade de ação. A abordagem tradicional, resultante de estudos teológicos, buscou ancorar no discurso cristão do pecado original a essência da maldade (Bernstein, 2002). 

Para autores voltados à discussão teológica sobre o mal, a desobediência da lei divina e o livre arbítrio fazem parte do arcabouço explicativo da maldade humana, da perda da virtude e da emergência do pecado. Nesse sentido, pecado e maldade são considerados indistintos, ainda que possam existir duas formas essenciais de maldade, aquela natural, proveniente das forças da natureza, como os terremotos, meteoros, secas [entre outros] e a maldade moral, derivada da ação e do arbítrio humanos.



Excerto retirado de:

PONTES, N. L. Os motivos de tais fotografias: os usos sociais da fotografia para uma leitura sociológica do mal. In Revista Política & Trabalho, 40, Dossier Teoria Social. Brasil: UFRPE, 2014. ISSN 1517-5901.