quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Justiça Divina

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Fotografia de Joana Rodrigues Silva



“Os princípios de moral e de política, aceitos entre os homens, derivam em geral de três fontes: a revelação, a lei natural e as convenções sociais. Não se pode estabelecer comparação entre a primeira e as duas últimas, do ponto-de-vista dos seus fins principais; completam-se, porém, ao tenderem igualmente para tornar os homens felizes na terra. Discutir as relações das convenções sociais não significa atacar as relações que podem encontrar-se entre a revelação e a lei natural.

Uma vez que esses princípios divinos, embora imutáveis, foram de mil modos desnaturados nos espíritos corruptos, ou pela maldade humana, ou pelas falsas religiões, ou pelas ideias arbitrárias da virtude e do vício, deve parecer necessário examinar (pondo de lado quaisquer considerações estranhas) os resultados das simples convenções humanas, quer essas convenções tenham sido feitas realmente, quer se suponham vantajosas para todos. Todas as opiniões, todos os sistemas de moral devem reunir-se necessariamente nesse ponto, e nunca se louvariam bastante os louváveis esforços tendentes a reconduzir os mais obstinados e os mais incrédulos aos princípios que levam os homens a viver em sociedade.

Podem, pois, distinguir-se três espécies de virtudes e de vícios, cuja fonte está igualmente na religião, na lei natural e nas convenções políticas. Jamais devem essas três espécies estar em contradição entre si; não alcançam, contudo, os mesmos resultados e não obrigam aos mesmos deveres. A lei natural exige menos que a revelação, e as convenções sociais menos que a lei natural. Assim, é muito importante distinguir bem os efeitos dessas convenções, isto é, dos pactos expressos ou tácitos que os homens se impuseram, porque nisso deve residir o exercício legítimo da força, nessas relações de homem a homem, que não exigem a missão especial do Ser supremo.

Pode dizer-se, portanto, com razão, que as ideias da virtude política são variáveis. As da virtude natural seriam sempre claras e precisas se as fraquezas e as paixões humanas não empanassem a sua pureza. As ideias da virtude religiosa são imutáveis e constantes, porque foram imediatamente reveladas pelo próprio Deus, que as conserva inalteráveis.

(…)

A justiça divina e a justiça natural são, por sua essência, constantes e invariáveis, porque as relações existentes entre dois objetos da mesma natureza não podem mudar nunca. Mas, a justiça humana, ou, se se quiser, a justiça política, não sendo mais do que uma relação estabelecida entre uma ação e o estado variável da sociedade, também pode variar, à medida que essa ação se torne vantajosa ou necessária ao estado social. Só se pode determinar bem a natureza dessa justiça examinando com atenção as relações complicadas das inconstantes combinações que governam os homens.”


Fonte:

BECCARIA, C. Dos delitos e das penas. Trad. José de Faria Costa. Rev. Primola Vingiano. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1998. ISBN 972-31-0816-X.