quinta-feira, 23 de julho de 2015

Ponto de interrogação

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"Life is Elsewhere", Fotografia de Sohrab Hura






Olhar faz-me sentir. Todos os pedaços que cabem no meu campo de visão fazem-me duvidar da minha existência. Nunca fui muito boa a lidar com os sentimentos. Penso demais. Ao pensar de mais envolvo-me num infinito mar de conhecimento, conhecimento disto ou daquilo, de tudo um pouco. Chego a questionar tudo em meu redor. Um ponto de interrogação seria o melhor símbolo para descrever o meu quotidiano. Nesta busca, que não finda, desencontro-me e replico-me. Gosto de calçar os sapatos dos outros para entender o que sentem, mas a razão complica este processo. A propósito desta ânsia de me rever nos outros, realço uma passagem de Susan Sontag:


O que é importante hoje é recuperar os nossos sentidos. Temos de aprender a ver mais, a ouvir mais, a sentir mais.” (Sontag 1961, p.32)

Quando sinto que sou movida pelos sentimentos, deixo-me levar, numa espécie de carruagem sem delimitações físicas. Sou assolada por alegria, exaltação, ansiedade e por fim tristeza. Já o tinha dito - as sensações são a minha perdição. Talvez porque coloco um ponto de interrogação aquando dos sentimentos e não os deixo fluir. Talvez porque queira dar uma explicação a tudo que tem existência.

A nostalgia de quando pouco pensava é uma ilha neste oceano de contradições. A minha infância parece um sonho, uma memória muito distante. Por vezes não sei se imagino que fui feliz ou se recordo a felicidade da inocência. 

Por isso conto um episódio passado, um pesar que já não existe porque o tentei compreender. 

Tinha 13 anos quando entrei lá pela primeira vez, num dia de deambulação. Já me tinham dito o que aquilo tinha sido, mas faltava-me sentir o que aquilo tinha sido. A minha imaginação encontrou o seu apogeu mal senti em toda a pele um frio, uma mão invisível. Os meus olhos nada mais viam que pedras e grades. No entanto os meus ouvidos gritavam. Fiquei muito triste nesse dia.

Mal percebia o que era a sociedade, o que eram as leis, a justiça, a moral ou a religião. Não percebia mas acreditava que tudo fazia sentido, que não era imperativo que eu compreendesse tais conceitos. Por isso eu sentia mais do que sinto agora. Através dessas sensações eu criei uma imagem mental daquele espaço e nunca me esqueci dela.

Acredito que “tudo se torna problemático questionável, objecto de análise e dúvida: Progresso e Revolução. Juventude. Maternidade. Até mesmo o Homem. E também a Poesia…” (Hura 2015, p.18). Acredito que a intuição é o espelho do nosso âmago e por isso, desta vez, dei-lhe toda a minha atenção. Descobri mais do que almejava. Dei aos meus olhos a conhecer a dita ‘realidade’. Juntei-lhe outras emoções, não minhas. Escolhi ser intermediária dos testemunhos e das imagens que recolhi. Investiguei e interpretei o que li, ouvi e vi. 

Sei que concretizei aquilo que durante dez anos desejei: calçar os sapatos de quem esteve encarcerado naquele espaço. Agora convido a caminharem este trilho. Não é fácil, não é soberbo, mas é humano e real.

Considero este o retrato de uma época, de um lugar delimitado onde a liberdade é rainha dos sonhos. Vou partilhar aquilo que descobri mas não vou descorar o que senti. Que o meu trabalho louve aqueles que me ajudaram e que nunca esquecerei.




Joana Rodrigues da Silva