quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

A Criminologia e as Prisões

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Fotografia de Joana Rodrigues Silva



'Até ao século XVIII o encarceramento dos criminosos era sobretudo preventivo, uma vez que as penas consistiam, fundamentalmente, em penas corporais (Digneffe, 1995; Oliveira, 1961). Em virtude deste objetivo, não era dada muita atenção ao local onde os indivíduos eram colocados, “qualquer lugar, servia, pronto era que fosse seguro” ( Decreto-Lei nº26.643 de 28 de Maio de 1936, p.582). Procuravam-se alcançar apenas dois requisitos: o requisito da segurança – para impedir a fuga dos reclusos – e o do sofrimento – a pena devia intimidar o indivíduo e era apenas inspirada pela injustiça sofrida (idem). De facto, em Portugal, até ao liberalismo, apesar do Estado encerrar os delinquentes nestes espaços, não providenciava o seu alimento nem vestuário e obrigava ainda ao pagamento do encarceramento. Eram as instituições religiosas ou de caridade que levavam a cabo movimentos no sentido de recolher estes bens para esta granja da população (Lopes, 1993).

Com o final do Antigo Regime e a entrada na época das Luzes, a conceptualização da natureza humana alterou-se em consonância com os princípios da altura, passando a assentar numa conceção dinâmica e igualitária, sendo suscetível de regeneração moral. E não só nos estabelecimentos prisionais: a arte da distribuição dos indivíduos e das patologias, o saber classificatório e o aparelho disciplinar (Agra, 2008, pp.25 e ss.) fazem parte da tática desenvolvida por Sena no seu hospital para alienados.

Tal conceção introduziu, desde logo, alterações ao nível da privação da liberdade. Esta, tendo até então uma função eminentemente expiatória, passa a assentar na possibilidade da regeneração dos indivíduos, sendo que para alcançar tal objetivo é necessária a adoção de alguns princípios, desde logo, o isolamento, o trabalho e a instrução. Esta nova conceção da finalidade da prisão levou a um maior interesse pelas condições físicas, estruturais e humanas destes estabelecimentos, uma vez que a arquitetura do edifício devia estar de acordo e possibilitar o cumprimento dos objetivos assinalados.

As alterações propiciadas por esta nova conceptualização do homem conduziram a alterações nos estabelecimentos prisionais que se iniciaram nos países mais intelectualmente avançados da Europa e que tiveram repercussões em Portugal. Em 6 de Setembro de 1826 foi publicado um decreto que criou as comissões encarregadas de visitar e analisar as condições das cadeias portuguesas. O decreto pretendia também melhorar a situação higiénica das prisões e promover a separação dos reclusos segundo sexo, idade e tipo de crimes. Em 1850 decretou-se a obrigatoriedade do Estado providenciar alimento, roupa e medicamentos aos reclusos, mas apenas aos que não tivessem possibilidades económicas e só depois da intervenção de outras instituições como as câmaras locais e órgãos de caridade (Lopes, 1993).

Apesar desta vontade e deste avanço em termos legislativos, a sua aplicação prática ficou distante da letra da lei (Santos,1999). Ayres de Gouvêa, na década de 50 do século XIX, empreendeu uma viagem à Europa com o intuito de conhecer as diversas prisões existentes e as suas condições. Os dados recolhidos durante a viagem foram publicados em 1860, na obra Resenha das Principaes Cadeias da Europa. Dos vários países, Ayres de Gouvêa sublinhou a Bélgica, a Holanda e Inglaterra como os países possuidores das melhores cadeias. No extremo oposto, o autor situou as cadeias da Península Ibérica.'


Fonte:

Dias, T. e Agra C. (2012) Elementos para uma História da Criminologia em Portugal. In Cândido da Agra (Dir.), A Criminologia: Um Arquipélago Interdisciplinar. Porto: Uporto Editorial, pp. 77-109.